Segundo ministro Flávio Dino, relator do processo, discussão está relacionada ao alcance da decisão do STF sobre a Lei da Anistia e a questões de direitos humanos
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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar se a Lei da Anistia alcança os crimes de ocultação de cadáver cometidos durante a ditadura militar e que permanecem até hoje sem solução. A matéria é objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1501674 e teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual em deliberação que se encerrou às 23h59 desta sexta-feira (14).
Ao reconhecer a repercussão geral, o STF decide julgar a matéria de fundo debatida no recurso, e a decisão de mérito a ser tomada posteriormente pelo Plenário deverá ser seguida pelas demais instâncias do Poder Judiciário em casos semelhantes. No caso dos autos, o relator é o ministro Flávio Dino, a quem coube submeter ao Plenário Virtual a questão.
O caso concreto envolve a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, apresentada em 2015, contra os tenentes-coronéis do Exército Lício Augusto Ribeiro Maciel, acusado de matar, em 1973, “mediante emboscada e por motivo torpe”, três opositores ao regime militar e de ocultar seus restos mortais, e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, acusado de atuar na ocultação dos cadáveres entre 1974 e 1976. Os fatos ocorrem no contexto da chamada Guerrilha do Araguaia, movimento armado organizado por militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) nas proximidades do Rio Araguaia (nos Estados do Pará e Tocantins, na época, norte do Goiás).
A denúncia foi rejeitada pela Justiça Federal no Pará com base na Lei da Anistia (Lei 6.683/1979), que perdoou os crimes políticos e conexos praticados entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, e no entendimento do STF sobre a validade dessa norma, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153. Essa decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O MPF, então, recorreu ao Supremo.
Crime permanente
Em sua manifestação, o ministro Flávio Dino destacou que o caso não envolve proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas a delimitação do alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver, em que a ação se prolonga no tempo.
Ele explicou que esse crime não ocorre apenas quando a conduta é realizada no mundo físico. “A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”, ressaltou.
Ao se manifestar pela existência de repercussão geral, Dino ressaltou o impacto social da matéria, que se relaciona com a maneira como o Brasil enfrentou a sua história. Lembrou, ainda, “a conclusão milenar sobre um direito natural de pais e mães de velarem e enterrarem dignamente seus filhos, o que se estende a irmãos, sobrinhos, netos, etc”.
Segundo o ministro, a análise levará em conta o alcance da decisão do STF sobre a Lei da Anistia e questões de direitos humanos relacionadas, em especial regras e conceitos consagrados pela Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, promulgada pelo Decreto 8.767/2016.
A posição do relator foi seguida por unanimidade.
(Gustavo Aguiar, Allan Diego Melo//CF)
Fonte: STF